No mês em que a Lei Maria da Penha completa 17 anos, o SINDIOFICIAIS-ES conversou com alguns oficiais de justiça e servidores do Poder Judiciário que costumam atender ou trabalhar atuando em casos de violência doméstica ou de violência contra a mulher. Confira agora uma entrevista exclusiva sobre o tema e algumas questões que estão ligadas diretamente ao dia a dia de um oficial em diligência.
Entre os oficiais que se dispuseram a conversar com o SINDIOFICIAIS-ES sobre as demandas e tratativas do tema, há uma oficiala de justiça que já atua na Grande Vitória há 16 anos e, atualmente, está lotada na comarca da Serra. A oficiala mencionou situações e circunstâncias relevantes sobre a rotina de servidores do Poder Judiciário e dos oficiais de justiça que lidam, frequentemente, com casos dessa natureza.
Para auxiliar nessa entrevista, a oficiala L. G., da comarca da Serra, terá sua identidade preservada para auxiliar nas questões de segurança da própria servidora e, também, das diversas mulheres vítimas de violência com quem ela tem ou já teve contato nas atribuições dela como oficiala de justiça atuante na Grande Vitória ao longo desses anos.
A Lei Maria da Penha acaba de completar 17 anos. A Lei nº 11.342 foi sancionada em 2006. E, ao longo desse período, a oficiala entrevistada já trabalha há 16 anos em bairros com diversos casos de mulheres em situação de risco. Quando questionada sobre as facilidades, as evoluções e o que melhorou com o uso e a disseminação da Lei Maria da Penha, do ponto de vista de um(a) oficial(a) agente da lei, a oficiala L. G. explica que já houve uma boa evolução. Mas, ressalta que ainda há muito o que melhorar.
“Às vezes, na rotina das diligências, vemos variados casos em que a Lei é utilizada de forma errônea. Já aconteceu comigo e com outros colegas, por exemplo, de chegar para entregar intimação e (no local ou na abordagem dos envolvidos) percebermos que se trata de uma série de outras questões, como: disputa patrimonial, pensão, guarda, vingança, partilha de bens, entre outros”, expõe a oficiala.
Ao ser perguntada sobre o dia a dia de entrega de mandados, foi pontuado se a oficiala poderia citar alguma situação inusitada que viveu, se alguma vez precisou ajudar ou socorrer uma vítima (que queria denunciar a violência) ou se já se viu em determinada ocasião de perigo no cumprimento do dever. As respostas foram variadas, mas pontuais.
A entrevistada L. G. esclarece que um oficial de justiça pode lidar com diversas realidades em um único dia de expediente, pois atua como o elo entre o Poder Judiciário e a sociedade, a população. Segundo ela, há casos e situações em que as vítimas recebem os oficiais de justiça, mas não conseguem se desvencilhar da situação de violência.
“Seja por medo, pela preocupação de conseguir sustentar os filhos, a dependência financeira, por vezes, sem ter os documentos dos filhos em mãos, refém do companheiro violento e abusivo, às vezes, com o tempo mudam de residência e meses depois a mulher está na mesma situação. A mulher não consegue se desvencilhar do companheiro por situação de dependência emocional, além da financeira. Muitas dessas mulheres se deparam com situações de ameaça, hostilidade e violência que faz necessária a saída de seus lares”, disse L. G.
Outra situação que a oficiala entrevistada revelou é que pode acontecer de um oficial de justiça fazer a abordagem inicial e quando volta, depois, a vítima é perguntada se tem interesse de representar judicialmente, mas a maioria das mulheres que ouve o termo "processo criminal" já pergunta se vai ficar na ficha do homem agressor. E, com isso, se preocupa e até desiste.
Em alguns casos, ela conta que já presenciou que isso ocorre por existirem outros desdobramentos e assuntos envolvidos, em especial, quando há filhos, questões de pensão, sustento dos filhos etc. Existem mulheres que mesmo sofrendo violência preferem desistir em prol dos filhos, por não ter como alimentar as crianças e dependentes se o homem, que é o provedor da casa, ficar detido. E há casos em que se observa a falta de conhecimento ou de clareza sobre a Lei Maria da Penha.
“Tem muitas situações que não chegam a se enquadrar como Lei Maria da Penha. E algumas poderiam até ser resolvidas de outra forma, mas acabam sendo interpretadas pelas vítimas como Maria da Penha. E, assim, tomam caminhos variados e um tempo de trabalho e processos que são desperdiçados na rotina da justiça. Existem casos, por exemplo, de mães pedindo ajuda e medida protetiva contra os filhos, ou filhos contra os pais, questões entre vizinhos e outros tipos de casos e circunstâncias em que falta clareza sobre o assunto e a Lei. E a pessoa que está sendo vítima de algum tipo de violência, risco ou ameaça pede socorro pela Lei Maria da Penha, mesmo quando não se trata de um caso real da Lei Maria da Penha, de fato”, exemplifica a servidora.
A oficiala conta ainda que algumas coisas já mudaram ao longo dos 17 anos de Lei Maria da Penha, desde quando foi sancionada e se tornou um marco na legislação brasileira. A servidora destaca que antes não havia muitos lugares ou centros para prestar acolhimento e algum atendimento às mulheres vítimas de violência, para ajudá-las a se reerguerem ou mesmo um banco de dados.
Segundo ela, hoje existe uma rede, como equipes psicossociais e multidisciplinares presentes em fóruns, há centros de referência no enfrentamento à violência contra a mulher, Secretarias de Políticas Públicas para as Mulheres, Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, instituições de Atenção Integral à Saúde da Mulher, além de iniciativas privadas que focam no empreendedorismo e em formas de gerar renda para essas mulheres, entre outros.
A oficiala relata que há casos que são recorrentes, inclusive de homens com condenação e mais processos de Maria da Penha. Porém, às vezes, a mulher vive uma relação abusiva, mas por algum(ns) ou diversos motivo(s) não consegue se desvencilhar desse relacionamento, ou por depender financeiramente do parceiro abusivo ou por medo, para tentar preservar os filhos ou até por questão de dependência emocional e psicológica.
“Apesar de ser amplamente divulgada, ainda há falta de conhecimento sobre a Lei Maria da Penha e de clareza sobre como tudo acontece, o passo a passo e os desdobramentos dos processos na justiça e as atividades na vida da pessoa, como responder processo criminal etc.”, informa a entrevistada.
A oficiala L. G. acredita que muitos servidores do Poder Judiciário e oficiais de justiça acabam criando uma relação de confiança com as pessoas que são atendidas. E, por vezes, são os únicos que conseguem auxiliar ou ter acesso ao que essa vítima precisa. Já numa audiência, por exemplo, é tudo muito inacessível para essas mulheres. Então, na opinião dela, seria importante, positivo e até relevante e significativo financeiramente para o Judiciário ter uma campanha, folhetos, informação melhorada e divulgada, mostrar o passo a passo da situação para que essas mulheres entendam como acontece o andamento de cada caso judicialmente.
Iniciativas podem melhorar a rotina de oficiais de justiça e de mulheres vítimas de violência
Entre sugestões e alternativas para auxiliar a rotina dos oficiais de justiça como acontece nos dias de hoje, nas abordagens dessas mulheres e dos envolvidos nesses casos de violência, a oficiala enfatiza que existem algumas iniciativas simples e viáveis, pois seu impacto financeiro-orçamentário reforça a viabilidade de implementação.
Para ela, ainda é possível melhorar e ampliar o conhecimento e a informação da população sobre a Lei Maria da Penha e cada etapa, bem como promover possibilidades de dar mais celeridade aos processos, reduzir custos e aprimorar os atendimentos e o apoio às mulheres vítimas de violência.
“Criar uma cartilha ou folheto, pode ser em formato A4, frente e verso, para os oficiais de justiça entregarem junto com os mandados, por exemplo, pode ajudar. Esse material informativo e explicativo, indicaria o passo a passo após uma denúncia e apresentaria um telefone (que funcione efetivamente), se possível com um contato via whatsapp, para atendimentos e esclarecimentos de dúvidas simples e pertinentes das vítimas de violência. Um suporte básico para guiá-las melhor além do já existente hoje. Para mulheres com filhos menores, por exemplo, teria orientações e informações disponíveis e acessíveis do que e de como pode ser feito. Creio que teria menos gente usando a Lei incorretamente. Logo, teríamos menos processos ‘desperdiçados’, redução de casos de retrabalho, mais conciliações e encaminhamentos, mais agilidade na justiça”, explana a oficiala L. G..
A servidora acrescenta que o volume de denúncias aumentou bastante nos últimos anos e, por um lado, isso é bom por demonstrar que as pessoas estão mais informadas que antes. Mas, a oficiala também afirma que em alguns municípios, em especial os considerados de risco e vulnerabilidade social, a campeã de mandados e processos ainda é a Lei Maria da Penha. Só que a oficiala L. G. alerta que muitos casos estão fora dos quesitos, não se enquadram como Maria da Penha ou por algum motivo perderam a característica inicial da violência contra a mulher em si.
“Com a experiência e o tempo que temos, trabalhando nesse tipo de caso, tanto eu quanto diversos colegas da Grande Vitória com quem sempre converso e troco vivências, percebemos que ajudaria e facilitaria bastante se na hora que uma mulher fosse a uma delegacia, sendo caracterizada de fato a violência e o enquadramento na Lei Maria da Penha, dali de dentro da delegacia mesmo já pudesse sair um mandado ou uma ordem judicial com ligação direta com o judiciário. Isso não ocorre hoje. E o lapso temporal pode ser bem prejudicial para esses casos de mulheres que realmente estão sofrendo violência. Por exemplo, o prazo de 20 dias é muito tempo. Muito sofrimento e custos poderiam ser evitados. Infelizmente, o sistema ainda é bem burocrático e poderia estar muito mais ágil e avançado”, explica a oficiala.
Violência doméstica: atualização altera a Lei Maria da Penha
De acordo com notícia divulgada esta semana pela Agência Senado, a concessão de auxílio-aluguel para mulheres vítimas de violência doméstica está a um passo de virar lei. O Plenário do Senado aprovou na quarta-feira (16/08) o PL nº 4.875/2020, da Câmara dos Deputados, que prevê o pagamento do benefício por até seis meses para mulheres em situação de vulnerabilidade social e econômica e que precisam ser afastadas do lar. O projeto agora já seguiu para a sanção presidencial.
O texto, que altera a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), teve parecer favorável da senadora Margareth Buzetti (PSD-MT). O pagamento desse aluguel será um benefício concedido por um juiz e poderá ser financiado por municípios e estados, utilizando recursos originalmente destinados à assistência social.
A senadora ainda destacou que o percentual de mulheres agredidas pelo parceiro em algum momento de suas vidas variou entre 10% e 56% nos países pesquisados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, segundo Buzetti, estima-se que cinco mulheres são espancadas a cada dois minutos. Em mais de 80% dos casos reportados, o responsável é o marido, namorado ou ex-parceiro, que também se aproveita da dependência financeira da vítima (Fonte: Agência Senado).
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